segunda-feira, 11 de maio de 2009

Consequências psicológicas de um set de filmagem


Por sobre todas as coisas sinto meu corpo cansado.

Uma espécie de inércia que me paralisa os braços mas movimenta a minha mente. Deito na cama e minhas pernas doem, como se continuasse a caminhar por entre caminhos empoeirados.

É um fato que quando o corpo pára a mente trabalha - vide o sonho.

A mente só pode se realizar quando não tem que se preocupar com a matéria. Fora a empiria temos a imaginação, o remédio para o limite do humano.


Parece que nos últimos dias estou mais humana. Minha condição de proletária me exige um retorno à preocupação com veias e ligações estomacais (na verdade não apenas as minhas mas com as de todos que me cercam também).

Não posso conjecturar, apenas agir. E andar por vielas empoeiradas. Como tenho andado!

A realização de tantos atos durante um curto período de horas me faz ainda repetir, mesmo quando em casa, alguns atos que já deveria ter abandonado.


Movimento a cabeça em busca do diretor, grito procurando o companheiro que sempre some no meio do trabalho, rastejo pra não atrapalhar a luz e estou em pleno processo de desenvolvimento de uma psicose seríssima tendo a fita crepe como objeto.

Todas as noites, de forma absoluta regular, sonho com time codes correndo atrás de mim, buscando de volta o tempo perdido que não anotei na ficha de decupagem.


Já posso ter certeza de que o porteiro da locação em que gravamos me jurou de morte. Já posso sim, com certeza.

Tenho saudades da grua, já me afeiçoei por ela. Tanto tempo pra montá-la e nos vemos tão rapidamente. Acredito que se a gente se encontrasse por mais tempo poderíamos ser mais amigas. Mas ela é tão instável, sempre com altos e baixos e mudanças bruscas de direção. Me identifico verdadeiramente com ela, por isso a amizade ainda não realizada.


E os lindos filhotes, produto de todo o nosso trabalho? As fitas são como filhos - ainda não tenho nenhum mas tenho certeza de que a sensação é exatamente a mesma. A cada minuto que passa novas emoções, boas e ruins, para que ele se construa. E mesmo depois que nasce nos dá muito trabalho e preocupação. Só nos sentimos um pouco melhor quando atingem de fato a maioridade na ilha de edição. Depois de casados com as novas tecnologias, sentimos que a nossa missão de geradores foi concluída. E nos aliviamos e já queremos mais. Se ainda não temos como gerar mais um ficamos paquerando os do vizinho, como minha mãe.


Mas preciso voltar às pernas. Aos pés, para ser mais exata. Penso no que é a distância. Vinte kilômetros de tênis é uma distância bem longa, mas possível para alguém que tem dois pulmões saudáveis. Mas um kilômetro com os pés metidos dentro de um par de botinas duras e insensíveis pode parecer loucura se não fosse o torpor e a alucinação provocada por um set de filmagem.


Passada a euforia do loló meus calcanhares exigem restituição da parte que lhes foi mutilada. Agora mesmo, quando escrevo esse texto, eles reclamam da insana distância empregada nesse kilômetro embutinado, limitado por uma dureza anti natural.

Sabe, estou revendo meus conceitos sobre os caminhos. Eles podem ser empoeirados, esburacados, com empilhadeiras, extremamente quentes, longos, incômodos e cheios de equipamentos de segurança de uso obrigatório.

Mas, de longe, o mais estranho de tudo isso é que eles são incrivelmente apaixonantes. Acho que não estou nada bem, preciso ir correndo para uma farmácia, urgente.

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