segunda-feira, 11 de maio de 2009

Paz


Cessaram os sons. A presença da figura humana não pesa sobre os meus sentidos. Somente ao longe um cão medroso continua latindo para as sombras da noite. A lua permanece em sua caminhada e o céu azul, sem nuvens, mais parece a abóboda duma gigantesca catedral. Um vento bom, caricioso, encosta-se na gente como os sucessivos meneios de um gatano. Uma estrela cadente risca o firmamento e a gente pensa num desejo recôndito crente que ele vai realizar-se. Aos poucos, as luzes se apagam nas modestas casinholas dos simples. A natureza descansa.
Meus pensamentos estão longe; fluem sem interrupção. A mente, cansada, não tem condições para ordená-los. Como um corcel brioso toma as rédeas da imaginação e passa a construir um sonho de ternura e de compreensão mútua. Neste mundo irreal tudo é paz e sossego. Palavras ásperas, ditos eivados de malícia ou de sentido duplo, atitudes irrefletidas, gestos coléricos, manifestação de ciúme ou de ódio - tudo que separa duas almas irmãs pertence ao passado. Pois cruzado o rio da Discórdia, alcamamos as Eumênides e lançamos uma ponte firme para a deusa Concórdia atravessar.


Adauto Buarque de Gusmão

Eumênides - deusas que protegiam a ordem do mundo, tanto a natural como a social.

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